As crises deixam algumas marcas, que com o tempo se podem remediar. Mas existem outras, que apenas se agravarão de forma irremediável. E como estupidificar um povo, é benéfico para quem nos (des)governa, eis que as crises servem também o propósito da estupidificação, e, claro o empobrecimento... já que uma condiciona a outra, e ambas são causa e consequência, uma da outra.
Há perdas irremediávies. Perdemos muita coisa, mas ao perdermos a capacidade de julgar, de criticar, de pensar, de querer saber, de compreender, de discernir... ficamos encerrados num circulo de nulidade, difícil de quebrar.
Quanto menos capazes formos de compreender os nossos direitos, mais facilmente eles os anulam.
Quanto menor for a nossa capacidade de perceber quem faz o mal e o bem, quem faz mal e quem faz bem... mais facilmente os incompetentes e os maus, se tornarão poderosos.
Quanto mais desinteressados e desligados formos do conhecimento e da vontade de saber, mais facilmente seremos manipulados e enganados.
Quanto mais ignorantes mais injustos e por isso incapazes de escolher bem e com justiça, prolongando a impunidade dos carrascos que nos condenam.
Quanto menos sabemos menor é a vontade de ampliar o saber.
"Está a acontecer. Já se apercebeu?
Por Nicolau Santos
Aquilo que nem nos passava pela cabeça que pudesse acontecer está mesmo a acontecer.
Está a acontecer cada vez com mais regularidade as farmácias não terem os medicamentos de que precisamos.
Está a acontecer que nos hospitais há racionamento de fármacos e uma utilização cada vez mais limitada dos equipamentos.
Está a acontecer que muitos produtos que comprávamos nos supermercados desapareceram e já não se encontram em nenhuma prateleira.
Está a acontecer que a reparação de um carro, que necessita de um farol ou de uma peça, tem agora de esperar uma ou duas semanas porque o material tem de ser importado do exterior.
Está a acontecer que as estradas e as ruas abrem buracos com regularidade, que ou ficam assim durante longos meses ou são reparados de forma atamancada, voltando rapidamente a reabrir.
Está a acontecer que a iluminação pública é mais reduzida, que mais e mais lojas dos centros comerciais são entaipadas e desaparecem misteriosamente.
Está a acontecer que nas livrarias há menos títulos novos e que as lojas de música se volatilizaram completamente.
Está a acontecer que nos bares e restaurantes há agora vagas com fartura, que os cinemas funcionam a meio gás, que os teatros vivem no terror da falta de público.
Está tudo isto a acontecer e nós, como o sapo colocado em água fria que vai aquecendo lentamente até ferver, não vemos o perigo, vamos aceitando resignados este lento mas inexorável definhar da nossa vida coletiva e do Estado social, com uma infinita tristeza e uma funda turbação.
Está a acontecer e não poderia ser de outro modo. Está a acontecer porque esta política cega de austeridade está a liquidar a classe média, conduzindo-a a uma crescente pauperização, de onde não regressará durante décadas.
Está a acontecer porque, nos últimos quase 40 anos, foi esta classe média que alimentou cinemas, teatros, espetáculos, restaurantes, comércio, serviços de saúde, tudo o que verdadeiramente mudou no país e aquilo que verdadeiramente traduz os hábitos de consumo numa sociedade moderna. Foi na classe média — de professores, médicos, funcionários públicos, economistas, pequenos e médios empresários, jornalistas, artistas, músicos, dançarinos, advogados, polícias, etc. —, que a austeridade cravou o seu mais afiado e longo punhal. E com a morte da classe média morre também a economia e o próprio país.
E morre porque era esta classe média que mais consumia — e que mais estimulava — os produtos culturais nacionais, da literatura à dança, dos jornais às revistas, da música a outro tipo de espetáculos e de manifestações culturais. É por isso que a cultura está a morrer neste país, juntamente com a economia. E se a economia pode ainda recuperar lentamente, já a cultura que desaparece não volta mais.
Um país sem economia é um sítio. Um país sem cultura não existe.
Durante a II Guerra Mundial, quando o esforço militar consumia todos os recursos das ilhas britânicas, foi sugerido ao primeiro-ministro Winston Churchill que cortasse nas verbas da cultura. O homem que conduziu a Inglaterra à vitória sobre a Alemanha recusou perentoriamente. “Se cortamos na cultura, estamos a fazer esta guerra para quê?” Mutatis mutandis, a mesma pergunta poderíamos fazer hoje: se retiramos todas as verbas para a cultura, estamos a fazer este ajustamento em nome de quê? Mas esta, claro, é uma questão que nunca se colocará às brilhantes cabeças que nos governam."
- Farmácias sem medicamentos, para mais pobres
- Austeridade afecta mais pobres
- Insuficiência de equipamentos no hospital
- Equipamentos só para elites
- Governos protegem os ricos, porque criam emprego?
- Exercer cidadania não é apenas participar com o voto.
Excelente texto. É mesmo isto. Há quem ainda não se tenha apercebido que estamos em guerra e que nos temos de defender, mas também lutar e não desertar.
ResponderEliminarExcelente. Acrescentava um ponto: o grande inimigo do entendimento é a arrogancia(recusar pensar nos argumentos diferentes-arrogancia-impede-nos de aprender).
ResponderEliminarTambem vale a pena pensar no facto =desde 2000 que os rendimentos dos americanos tem vindo a descer ano apos ano. acrescento eu só dos americanos? e dos europeus? e dos europeus mal governados(Espanha, Grecia,Portugal?. Ainda há milhoes por esse mundo fora que tem salarios de 25 centimos /hora-será que não queremos que eles melhorem?
O texto nao só e excelente mas também um sério alerta para aqueles que são demasiado preguiçosos, inconscientes ou apáticos.
ResponderEliminarAcordem, caramba!!!!!!