
O perigo da abstenção eleitoral
Em 1976 a abstenção, foi de 35%, agora foi de 47%.
O que sucede quando a abstenção atinge estes patamares?
Haverá, sem dúvida, a consequente perda de qualidade democrática. Uma perda imputada à falta de competência dos governantes e que tenta justificar a negação do pilar cívico da democracia: o voto.
Trata-se de uma ampla perda, porque os políticos, menos pressionados pela exigência cidadã, entram
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evolução da abstenção desde 1976 |
num processo governativo autocrático, e porque os cidadãos, verdadeiros soberanos da democracia, já auto-desresponsabilizados, fragmentam-se em preocupações individuais e grupais, considerando todas as instâncias do Estado etéreas e até hostis.
É um processo perigoso para a democracia, uma vez que tende a evoluir em crescendo, assumindo a forma de uma espiral desvinculativa.
Não interessa depois estabelecer se é a fraca capacidade da governança que afasta os cidadãos ou se é o desinteresse dos cidadãos que fomenta a má prestação política.
O que se sabe é que o cidadão tem o papel fundamental na realização da higiene mínima democrática, quer porque opina soberano no ato eleitoral, seja porque permanece vigilante durante o mandato.
Se os representantes autocentrados ampliam a desvinculação da generalidade das pessoas, também é certo acontecer o contrário, isto é,
a omissão cívica conduzir a uma soberba política, por ausência de contrapoderes que lhe inibam as ações desviantes.
O termo desvinculação traduz eficazmente esta ideia. O vínculo é a capacidade psicológica e emocional de nutrirmos simpatia por outrem, para que sintamos alguma responsabilidade pelo que lhe acontece.

O vínculo cria-se entre pais e filhos, amigos, colegas, profissionais e clientes, vizinhos, enfim, entre seres humanos.
Quando se esboroa esse laço destrói-se também os travões emocionais que evitam a indiferença absoluta, a instrumentalização do outro, a desconfiança ou a violência.
(...)
Aquele abstém-se porque ignora ou odeia o político, considerando-o corrupto, incompetente, snobe; e, inversamente, o governante despreza-o, tomando-o por básico, emocional, ilógico, insignificante.

É o primeiro passo da desvinculação: a indiferença e, logo imediatamente, o desprezo.
Numa segunda fase, o político entrega-se ao aparelhismo partidário e denota falta de qualidades reais de liderança, contentando-se, por um lado, em vender slogans e ter uma imagem mediática aprazível e, por outro, em jogar nos bastidores com seu pessoal-de-mão dentro do aparelho partidário.