Cigarra e a formiga um conto que se aplica ao estado de Portugal

VERSÃO MODERNA E PORTUGUESA DA FÁBULA "A cigarra e a formiga"

I A formiga trabalha arduamente, debaixo de um calor abrasador, durante todo o Verão, construindo a sua casa e armazenando provisões e mantimentos para aguentar o Inverno. A cigarra pensa que a formiga é uma tola e ri, dança e brinca durante o Verão. Chega o Inverno, e a enregelada cigarra convoca uma conferência de imprensa para denunciar a situação em que vive, pretendendo saber por que razão é permitido à formiga estar bem aquecida e alimentada enquanto outros sofrem com frio e fome.

II RTP, SIC e TVI apresentam-se em força para transmitir imagens da pobre cigarra, completamente transfigurada pelo frio e pela fome, ao mesmo tempo que passam outras imagens da formiga na sua casa bem confortável e com a mesa cheia de boa comida. O país está chocado perante este contraste. Como é possível, nos dias que correm, uma pobre cigarra sofrer tanto? Durante semanas não se fala de outra coisa.

III
O Primeiro-Ministro aparece num programa especial da RTP com um ar consternadíssimo, repetindo, vezes sem conta, que o Governo fará tudo o que estiver ao seu alcance para ajudar a pobre cigarra, a qual, como toda a gente deverá entender, está a ser vítima da má política dos anteriores governos do PS.

IV O Padre Vitor Melícias desdobra-se em esforços para angariar toda a ajuda possível,
implementando um peditório, a nível nacional, para que a cigarra possa viver com alguma dignidade. Simultaneamente, a CGD abre uma conta especial, onde qualquer pessoa pode efectuar um depósito, contribuindo, assim, para mais uma ajuda preciosa.

V O secretário-geral do PCP, numa entrevista a Manuela Moura Guedes, comenta que a formiga enriqueceu à custa da cigarra, resultado de uma gestão danosa da política de direita, que sempre prejudicou os mais necessitados, e apela ao Primeiro-Ministro para que seja criado um aumento significativo do IRS, através de um escalão especial, por forma a que a formiga pague o valor justo em relação àquilo que ganhou.

VI
O Bloco de Esquerda exige a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, a demissão do Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, do Ministro da Economia e do Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente.

VII O líder do maior partido da oposição, acusa o Primeiro-Ministro de estar ausente e à margem da crise social evidenciada pela desgraça da cigarra, e exige a criação de outra Comissão Parlamentar de Inquérito, e a demissão da Ministra de Estado e das Finanças, do Ministro da Administração Interna e da Ministra da Justiça, bem como a reavaliação da Lei-Quadro do Rendimento Cigarral Mínimo.

VIII Num movimento sem precedentes, o líder do CDS/PP aparece abraçado à cigarra, em todas as feiras e mercados, e chama a atenção para a necessidade de limitar a imigração de insectos (em particular de outras formigas).

IX
Tentando acompanhar a situação política, o Comité Central do PCP convoca uma conferência de imprensa para propor a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, e exigir a demissão do Ministro de Estado e da Defesa Nacional, do Ministro da Segurança Social e Trabalho e do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação.

X A Câmara Municipal de Lisboa inunda a capital com cartazes onde se pode ler “Já viu que esta rua não tem formigas?”

XI A CGTP e a UGT, preocupadas com a diminuição do poder de compra da cigarra, organizam marchas de protesto, apelam à Assembleia da República para que crie uma Comissão Parlamentar de Inquérito, e exigem do Primeiro-Ministro a imediata demissão do Ministro da Educação, do Ministro da Cultura e do Ministro da Saúde.

XII Cedendo à imensa pressão nacional, o Governo cria uma Secretaria de Estado, dependente do Ministério das Finanças, e implementa um programa chamado "Igualdade Económica e Acções Anti-Formiga", com efeitos ao princípio do Verão, e que obriga a formiga a pagar os novos impostos com retroactivos. Como a formiga não estava preparada para pagar, a sua casa foi confiscada pelo Governo.

XIII O Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro, o Ministro da Presidência e o Ministro dos Assuntos Parlamentares convocam uma conferência de imprensa e, numa atitude inédita, lamentam que nenhuma força social tenha contestado a sua permanência no Governo, e informam o País que, por essa razão, apresentaram a demissão ao Primeiro-Ministro.

XIV A firma de advogados de Vale e Azevedo (que continua preso...), representando a cigarra, apresentou em tribunal um processo contra a formiga, por abuso e fuga aos impostos, tendo a formiga perdido a causa, sem qualquer hipótese de recurso. A formiga desaparece e ninguém mais lhe põe a vista em cima.

XV Em todos os canais da televisão, o Presidente da República, com o seu entusiasmo habitual, anuncia que foi feita justiça e que uma nova era de integridade e equidade nasceu em Portugal.

XVI Lili Caneças, querendo tirar mais umas fotografias, organizou uma grande festa de beneficência, onde estiveram presentes todos os nomes conhecidos da política, artes, moda, teatro, cinema, música, desporto, etc. Com o dinheiro que ganhou de todos estes movimentos nacionais de solidariedade, bem como da venda de grande parte da comida da formiga, a cigarra vive dias com que nunca sonhou. Grandes festas, jantaradas, casinos, jogo, mais festas e mais jantaradas, oportunistas, más companhias, e o dinheiro desaparece depressa.

XVII Entretanto, é noticiado em diversos órgãos da comunicação social internacional, o retumbante sucesso obtido pela a formiga portuguesa, no país desenvolvido para onde, entretanto, tinha emigrado – salientando-se, nomeadamente, os bons serviços e enormes mais-valias acrescentadas ao sector industrial e comercial resultantes da sua capacidade empreendedora.

XVIII A história acaba com as imagens da cigarra a comer o último bocadinho de comida que a formiga tinha armazenado, dentro da casa que agora pertence ao Governo, mas que, por falta de verba para proceder à sua manutenção, se encontra completamente degradada.
Epílogo -A cigarra, entretanto, foi encontrada morta num beco, resultado de um incidente relacionado com drogas, e a casa, agora abandonada, é utilizada por um bando de delinquentes que vive aterrorizando o que, em tempos, era uma pacífica vizinhança.

Versão global do conto da cigarra e da formiga
No Ocidente todos conhecem a fábula “A cigarra e a formiga”. A cigarra é indolente e passa o Verão a cantar, enquanto a formiga recolhe e armazena para o Inverno.
Quando chega o frio, a cigarra pede à formiga que lhe dê qualquer coisa para comer. A formiga recusa e a cigarra morre à fome. Moral da história? A indolência atrai a penúria.

A vida, porém, é mais complexa do que na fábula de Esopo. Hoje, alemães, chineses e japoneses representam as formigas, cabendo aos americanos, britânicos, gregos, irlandeses e espanhóis o papel de cigarras. As formigas produzem bens atractivos que as cigarras querem comprar. Estas perguntam àquelas se querem algo em troca. "Não", respondem as formigas. "Não têm nada que nos interesse excepto, talvez, uma casa junto ao mar. Podemos emprestar-vos dinheiro para desfrutarem dos nossos bens enquanto nós acumulamos provisões".

Formigas e cigarras estão felizes. As primeiras, por serem frugais e prudentes, depositam os seus ganhos excedentes em bancos supostamente seguros, que depois os emprestam às cigarras. Estas, por sua vez, não têm de produzir, na medida em que as formigas lhes fornecem os bens de que necessitam a preços módicos. Mas como as formigas não lhes vendem casas, centros comerciais ou escritórios, as cigarras dedicam-se à sua construção. Chegam, inclusive, a pedir às formigas que venham fazer o trabalho. As cigarras descobrem que, com a entrada de dinheiro, os preços dos terrenos sobem, por isso, decidem pedir mais dinheiro emprestado, construir mais e gastar mais.

As formigas olham para a prosperidade das colónias de cigarras e dizem aos seus banqueiros: "Emprestem mais às cigarras, visto não querermos pedir emprestado". As formigas são melhores a produzir bens reais do que a avaliar produtos financeiros, pelo que as cigarras descobrem rapidamente novas formas de reinventar os seus empréstimos, transformando-os em activos sedutores para os bancos.

Agora que o formigueiro alemão está muito próximo de algumas pequenas colónias de cigarras, as formigas alemãs dizem: "Queremos ser amigas. Que dizem de usarmos todos o mesmo dinheiro? Mas primeiro têm de prometer que se vão comportar como formigas até ao fim da vida". Em suma, as cigarras são submetidas a um teste, isto é, têm de se comportar como formigas durante uns anos. As cigarras aceitam a proposta e são autorizadas a adoptarem a moeda europeia.

Todos vivem felizes - por um tempo. As formigas alemãs olham para os empréstimos que concederam às cigarras e sentem-se ricas. Entretanto, nas colónias de cigarras, os seus governos olham para as contas sadias e dizem: "Vejam, cumprimos melhor as regras orçamentais do que as formigas". Perante isto, as formigas sentem vergonha, mas não dizem nada quando os salários e os preços começam a aumentar rapidamente nas colónias de cigarras, onde os bens encarecem e o peso real dos juros diminui, embora isso estimule o recurso ao crédito e o investimento em novas construções.

As sensatas formigas alemãs insistem, melancolicamente, que "as árvores não crescem até ao céu". Os preços dos terrenos nas colónias de cigarras atingem, por fim, o valor máximo. Os bancos das formigas ficam nervosos, pedem o seu dinheiro de volta e as cigarras são obrigadas a vender, dando azo a uma sucessão de falências. A construção pára nas colónias de cigarras, bem como o consumo de bens produzidos pelas formigas. Os empregos desaparecem, para umas e outras, e os défices orçamentais disparam, em particular nas colónias de cigarras.

As formigas alemãs apercebem-se de que as suas bolsas de riqueza não valem muito, na medida em que as cigarras não têm propriamente nada que lhes interesse, salvo casas baratas na praia. Os bancos das formigas das duas, uma: ou optam pelo ‘write off' de maus empréstimos ou tentam persuadir os seus governos a dar ainda mais dinheiro às colónias de cigarras. Os governos dos formigueiros têm medo de admitir que deixaram os seus bancos "extraviar" o seu próprio dinheiro e preferem a via do ‘bail out'. Entretanto, dão ordem aos governos das cigarras para aumentarem os impostos e reduzirem a despesa. Agora, dizem eles, têm mesmo de se comportar como formigas.

Resultado? As colónias de cigarras mergulham numa recessão profunda. O problema é que continuam a não produzir nada que interesse às formigas porque não sabem como fazê-lo. E como as cigarras já não podem pedir emprestado para comprar bens às formigas, passam fome. As formigas alemãs decidem-se, por fim, pelo ‘write off' dos seus empréstimos às cigarras, mas como pouco ou nada aprenderam com esta experiência, vendem os seus bens em troca de mais dívida noutros lados.

Por acaso, há outros formigueiros no mundo. A Ásia, em particular, está cheia deles. Há um bastante rico, como a Alemanha, chamado Japão. E outro, imenso mas mais pobre, chamado China. Ambos querem ficar ricos através da cobrança de dívidas e da venda de bens a preços baixos às colónias de cigarras. O formigueiro chinês chega, inclusive, a fixar o preço externo da sua moeda para salvaguardar a barateza dos seus bens.

Felizmente, para os asiáticos - pelo menos assim parece -, existe no mundo uma gigantesca e excepcionalmente laboriosa colónia de cigarras chamada América. Não fosse o seu mote - "Acreditamos no consumo" - e não saberíamos que era uma colónia de cigarras. Os formigueiros asiáticos desenvolveram uma relação com a América semelhante àquela que a Alemanha mantém com os seus vizinhos. Ou seja, os formigueiros asiáticos acumulam pilhas de dívida das cigarras e sentem-se ricos.

No entanto, há uma diferença. Quando o ‘crash' se abateu sobre a América e as famílias deixaram de gastar e de pedir emprestado, e o défice orçamental explodiu, o governo não disse para com os seus botões: "Isto é perigoso. Temos de cortar na despesa". Pelo contrário, disse: "Temos de gastar ainda mais para manter a economia a mexer". Resultado? O défice orçamental ganhou proporções colossais.

Os formigueiros asiáticos ficaram nervosos e o líder do formigueiro chinês disse o seguinte à América: "Nós, os vossos credores, queremos que parem imediatamente de pedir dinheiro emprestado, à imagem do que acontece com as cigarras europeias". O líder da colónia americana riu-se e retorquiu: "Não pedimos para nos emprestarem este dinheiro. Na verdade, até dissemos que era uma loucura. Vamos fazer tudo para que as cigarras americanas tenham emprego. Se não querem emprestar-nos dinheiro, valorizem a vossa moeda. Aí, voltaremos a produzir o que agora compramos e vocês não terão de nos emprestar dinheiro novamente". A América deu uma lição aos credores com base num velho adágio: "Se deve 100 dólares ao banco, o problema é seu. Mas se deve 100 milhões de dólares, então, o problema passa a ser do banco".

O líder chinês não quer admitir que a enorme dívida americana empilhada no seu formigueiro não vale aquilo que custa. Além disso, os chineses também preferem continuar a produzir bens baratos para os estrangeiros, por isso, a China decide comprar ainda mais dívida americana. Mas, décadas depois, os chineses acabam por dizer aos americanos: "Agora queremos que nos forneçam bens para pagarem o que nos devem". As cigarras americanas riram-se e reduziram prontamente o valor da dívida. As formigas perderam as suas poupanças e algumas delas morreram à fome.
Moral da história? Se quiser acumular riqueza duradoura não empreste dinheiro às cigarras.
Exclusivo Financial Times
Tradução de Ana Pina
____Martin Wolf, Colunista do Financial Times

Acompanhe ainda esta reportagem do jornalista Harald Schumann, onde desvendam os segredos obscuros da razão de se ter emprestado dinheiro à Grécia, a Portugal, à Irlanda e ao Chipre. Uma realidade assustadora porque os factos provam que assim foi. Uma conspiração com a clara intenção de transformar em escravos e despojados, os países europeus, cujos governos não os souberam proteger. 

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