Se os indicadores são assim tão bons, porque é que a troika continua a mostrar-nos o dedo do meio?
Mais um belíssimo artigo do genial Ricardo Araújo Pereira...
Colunista da Revista Visão, anima o espaço denominado "Boca do Inferno" Um momento que nos brinda com politica e humor. Uma forma mais saudável de entender as más noticias.
"O escritor brasileiro Luís Fernando Veríssimo percebeu que se interessava mais por letras do que por números quando, em criança, o professor de matemática lhe colocou aqueles problemas do costume. "Um comboio parte do ponto A às 8h00 e viaja a uma velocidade média de 100 km/h. Outro comboio parte do ponto B duas horas mais tarde e depois segue a 80 km/h. Determine a que horas vão os comboios encontrar-se no ponto C, sabendo que, etc." Em vez de calcular a resposta, Veríssimo punha-se a imaginar quem seriam os passageiros dos comboios, por que razão iriam para o ponto C àquela hora da manhã, ou quem os esperaria lá.
A dimensão do meu interesse por economia também ficou evidente quando, na faculdade, tomei contacto com a teoria da mão invisível, de Adam Smith. Dediquei as minhas reflexões a tentar perceber a razão pela qual alguém, mesmo tratando-se de um mecanismo económico, dispondo de uma mão invisível, a usaria para orientar agentes económicos em sistemas de mercado livre, e não para apalpar jovens raparigas no metro. Bem sei, e não é sem vergonha que o confesso, que os meus pensamentos acerca da mão invisível eram bastante primários: descuravam a existência de raparigas que, não sendo assim tão jovens, pudessem igualmente tentar o possuidor de uma mão invisível, e que isso sucedesse noutros locais que não apenas o metro. Mas essa sofisticação de raciocínio, só a obtemos com a idade.
Esta semana, coloquei a mim mesmo uma questão sobre a economia nacional que pertence à mesma área de estudo: se os indicadores são assim tão bons, porque é que a troika continua a mostrar-nos o dedo do meio? Trata-se de uma perplexidade que, como a mão invisível de Smith, explora a relação da ciência económica com o carpo, metacarpo e falanges. E é um problema que completa a teoria do economista inglês com outros patamares de visibilidade: a mão é invisível; os indicadores, só o primeiro-ministro e alguns dos seus amigos os vêem; e o dedo do meio, vemo-lo todos.
A mensagem de Natal de Passos Coelho deve, a esta luz, ser incluída na tradição da literatura profética, uma vez que analisa os indicadores que o primeiro-ministro vê mas que tanto nós como o INE só veremos, em princípio, no futuro.
A partir dos dados avançados pelo profeta, no dia 25 de Dezembro, podemos antever o ano de 2014.
A nossa economia começou a crescer, e acima do ritmo da Europa.
O emprego também já cresce e foram criados 120 mil postos de trabalho, só até ao terceiro trimestre.
E o desemprego, especialmente o emprego jovem, está a descer.
Em 2014, as 120 mil pessoas que arranjaram emprego vão produzir riqueza, provavelmente a cavalo dos seus unicórnios, acima do ritmo de crescimento da Europa.
Com a ajuda da Fada dos Dentes, o número de desempregados descerá para níveis insignificantes.
E, no primeiro semestre, Passos Coelho encontrará um sapo muito feio, a quem dará um beijo de amor. E o anfíbio transformar-se-á num lindo superavit da balança comercial. Tudo indica que vamos ter um 2014 fantástico.
Resta apenas saber se será fantástico no sentido que a palavra adquire nos anúncios de shampoo, para descrever o aspecto do cabelo depois de lavado e penteado, ou no sentido tradicional, que designa as coisas que só existem na nossa imaginação."
Visão
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RAP é divertido, sobretudo pela eficácia com que caricatura paradoxos atuais. Neste caso, a substância da crítica é algo injusta. A tarefa da recuperação económica e da independência do país, não é tarefa de uma pessoa, nem tão pouco de um governo, mas de toda a população, cada um na sua função. Qualquer pessoa sensata sabe que os grandes bloqueios estão longe de resolvidos, mas nem todos estão prontos a aceitar as mudanças necessárias; sobretudo os instalados. Nem os governantes dizem o contrário. Quem leu AS, porém, também deve saber que, em economia, o ajustamento ocorre sempre; com ou sem ação governativa. Foi o que ocorreu entre nós. Vivemos um paradoxo em que se exigem reformas e, simultaneamente se impede que aconteçam. O otimismo a que refere RAP, provém, fundamentadamente, de, nesta altura estarmos na iminência de conseguir os requisitos necessários à normalização da vida democrática, a saber; superávite das contas externas e capacidade de refinanciamento da dívida. Ainda bem que temos tido quem nos ajude nesta tarefa. Porém, alguns dos - bem - instalados continuam com as suas greves perpétuas exigindo isenção da austeridade, e o despesismo - câmaras municipais e organismos públicos - continua, indiferente, a sua marcha de irresponsabilidade e nepotismo. Este Governo cometeu muitos erros. Não menos têm sido cometidos pelo povo. também aqui RAP tem matéria-prima abundante.
ResponderEliminarBrilhante o seu comentário principalmente nas referencias que fez aos "bloqueios" as tais forças que se recusam a deixar governar a favor do interesse nacional/ povo, sempre que isso lese o seu interesse.
EliminarReconheço e possuo a lucidez para saber que PPC é mais uma das vitimas desses bloqueios. Que tenta enfrentar alguns, ao contrário de outros politicos que não fazem nem fizeram, o minimo esforço para os contrariar e por vezes até se oferecem para os apoiar.
No entanto PPC deveria ter dado mais provas de que está a enfrentar esses bloqueios e o seu silêncio em relação a algumas dessas forças, deixa os cidadãos com a sensação de que apoia quem nos quer bloquear.
Exigimos muito de um governante quando pretendemos que ele vença os vicios que todos os anteriores alimentaram... mas é uma exigência legitima, para quem o faz sabendo disto, mas ilegítima para quem o critica em comparação a outros.