Não digam que não sabiam... "Os Facilitadores" contam tudo.

Os Facilitadores. Para quem ainda não leu esta obra única e que representa um contributo inestimável para a refundação da verdadeira democracia, pela exposição/confirmação que faz, da falta dela, deixo-os com o expressivo incentivo à sua leitura, pela opinião de Miguel Sousa Tavares.

«Não digam que não sabiam...
Com o apropriado título de "Os Facilitadores" (A Esfera dos Livros), o jornalista e jurista Gustavo Sampaio, já autor de um muito recomendado "Os Privilegiados", acaba de pôr cá fora um notável trabalho de 380 páginas, que é um verdadeiro serviço público - daqueles que, uma vez feitos, já não permitem a ninguém dizer que não sabia ou não imaginava.
"Os Facilitadores" é uma eloquente, exaustiva, e muitas vezes penosa, incursão ao mundo submerso dos grandes escritórios da advocacia de negócios de Lisboa - oito, os principais.


Muitas vezes tenho escrito aqui sobre esse tema e sobre a contribuição decisiva que essa actividade, dita jurídica, tem tido em alguns negócios ruinosos para o Estado e contribuintes portugueses, cuja consequência mais séria foi a falência do Estado, em 2011.
Escrevi-o em abstracto, mas também algumas vezes em concreto, como, por exemplo, a propósito do indecente contrato celebrado entre o Porto de Lisboa e a Liscont/Mota-Engil para a exploração do Terminal de Contentores de Alcântara - um verdadeiro contrato de saque sobre a cidade e os contribuintes (já fui julgado e absolvido numa acção interposta pela Mota-Engil, por ter escrito isto). Porém, nunca encontrei o tempo, a disposição e o talento para ousar fazer um levantamento completo da íntima teia de interesses cruzados entre a política e os negócios, a advocacia política e a advocacia de negócios - que se confunde amiúde com o governo do país. Mas esse trabalho, pela mão de Gustavo Sampaio, veio agora a lume e tal como devia ser: apenas factos, nomes, números, ligações - e as conclusões ficam para os leitores.
A primeira coisa que salta aos olhos é que estes mega-escritórios de advocacia têm muito pouco que ver com a advocacia tal como a imaginamos, que é uma actividade nobre, as mais das vezes feita por homens livres e com sentido de serviço aos outros. A maior parte dos 'managing' ou 'senior partners' destes escritórios, com algumas louváveis excepções, não devem pôr um pé num tribunal há anos ou décadas, e duvido que saibam alguma coisa de Direito, além das áreas de negócios em que actuam. Aliás, e significativamente, os seus escritórios não estão organizados por áreas de Direito, mas sim por áreas de negócios: "fusões e aquisições", "privatizações" (o mais rentável de todos, por razões à vista), "consultadoria financeira", etc.

Em segundo lugar, como é sobejamente sabido, estamos a falar de um 'petit monde' de escassas centenas de pessoas que se desdobram, e às vezes acumulando, os lugares onde se pede e onde se decide: nos escritórios de advocacia (os 'ten majors'), no Governo e nos gabinetes ministeriais, nos órgãos sociais das principais empresas privadas, nas administrações das empresas públicas e nos bancos e empresas financeiras que intervêm nos grandes negócios em Portugal. Como é fácil de imagina, o principal motor desta actividade consiste em fazer alternar os mesmos, os restritos membros do clube, entre as posições de advogados, de concorrentes e de decisores políticos. Não raras vezes, no mesmo negócio, vamos encontrar um governante e um representante de um determinado interessado no negócio que são colegas do mesmo escritório. E escritórios de advocacia que umas vezes defendem o Estado contra interesses particulares e outras vezes invertem os papéis, isso é o pão nosso de todos os dias, pois que, como alguém dizia, é preciso saber distinguir a lealdade da fidelidade. o pior, pois, é quando nem uma nem outra se verificam, o que não é assim tão raro: quando, no mesmo negócio mas em tempos diferentes, vamos encontrar o mesmo escritório de advogados que negociou um contrato em nome do Estado depois litigar contra o Estado com base no mesmo contrato. Que palavra se aplicará aqui?
Terceiro facto, igualmente previsível, é a identidade do cliente ou parte envolvida que, só à sua conta deve representar 90% da facturação dos escritórios: esse generoso cliente, de oportunidades de negócio inesgotáveis, é o Estado Português. Quer o Estado central quer autarquias ou regiões, empresas públicas ou organismos públicos dotados de autonomia administrativa e financeira. O cliente Estado, além de ter uma carteira de encomendas sempre renovada, é o tipo de cliente que qualquer advogado gostaria de ter: encomenda serviços (pareceres, estudos, relatórios) por vezes sem a mais pequena necessidade e, às vezes até, só porque parece bem; paga sem pestanejar nem discutir o preço; encomenda contratos em que os seus direitos nunca estão acautelados e os da outra parte estão sempre "blindados" (como o contrato entre o Porto de Lisboa e a Liscont); assina de cruz (ou aconselhado pelos seus advogados de luxo) contratos com cláusulas escondidas que depois permitem à outra parte facturar até ao triplo do preço ajustado (como nos 'swap'); e quando, por pudor superveniente, resolve reclamar em tribunal arbitral, perde dez em cada dez arbitragens. Sem exagero, é possível afirmar que, não fosse o cliente ou a parte Estado, e toda esta próspera actividade, oficialmente só jurídica, há muito teria encerrado portas.
E que espécie de patrocínio asseguram eles ao Estado? Pois, aí é que as coisas se tornam verdadeiramente sérias e que se percebe que nada disto é inconsequente. Eles patrocinam, ou negoceiam com o Estado, em tudo o que o Estado tem para dar: privatizações, PPP, 'swap', perdões e benefícios fiscais, aquisições de armas, construção de estradas, aeroportos, pontes, construção e exploração de hospitais, concessão de serviços públicos, exploração de tudo o que interessa (água, electricidade, gás, combustíveis, correios, aeroportos, portos, construção naval, barragens, etc., etc.). Dos mais de 170.000 milhões de dívida pública que acumulámos nos últimos 20 anos, uma esmagadora parte foi negociada, intermediada ou patrocinada pelos 'ten majors'. Uma parte considerável, mas não quantificável, de despesa injustificável resultou directamente, ou da sua inépcia profissional, ou daquilo a que diplomaticamente podemos chamar falta de sentido de serviço público. E uma parte não negligenciável foi-lhes parar às mãos, a título de honorários.
Eis o enredo desta história, em linhas gerais. Para os detalhes, deixo-vos a leitura do livro. Mas desde já aviso que essa leitura nos causa uma intensa e desagradável sensação de jogo viciado. Vão lá encontrar a explicação para vários negócios inexplicáveis, vão encontrar envolvidas pessoas acima de qualquer suspeita e vão perceber como tudo funciona e como, afinal, tudo isto existe, tudo isto é triste e tudo isto é fado. Pois que, como disse Pina Moura, citado no livro, "a única ética republicana que conheço é a lei". Ou seja, tudo o que a lei não proíbe é permitido. Sobretudo, quando são eles, também, quem escreve a lei.»
[Miguel Sousa Tavares, in "Expresso", edição 4 Out. '14].

Neste video veja 2 entrevistas onde Gustavo Sampaio levanta o véu e desvenda alguns dos casos expostos nos livros. Do mais recente, "Os Facilitadores" e do anterior, "Os privilegiados.
Parece surreal, mas é o que se passa no nosso Portugal




O Livro no Wook



2 comentários:

  1. Dica de um leitor do livro: se começarem pelo segundo capitulo, em vez de começarem pelo primeiro, percebem mais depressa a gravidade do que o livro revela. O primeiro capitulo relata casos e ligações da sociedade de advogados Abreu. O segundo capitulo é sobre a sociedade de advogados Rui Pena& Arnaut. Um autêntico enredo digno de filmes da máfia.

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  2. Obrigado por divulgar estes autenticos atentados a sanidade dos eleitores; assim eles saibam ver quais são os interesses a defender quando se vota.

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Olá caro leitor, obrigada por comentar... sei que apetece insultar os corruptos, mas não é permitido. Já não podemos odiar quem nos apetece... (enfim) Insultem, mas com suavidade.
Incentivos ao ódio, à violência, ao racismo, etc serão apagados, pois o Google não permite.